O Retail Media permite que anunciantes alcancem consumidores por meio das propriedades digitais dos varejistas, representam uma mudança significativa na forma como os varejistas aproveitam seu ativo mais valioso: os dados first party.
Embora o potencial para geração de receita de alta margem e a colaboração aprimorada com fornecedores sejam atrativos, a implementação do Retail Media apresenta desafios estratégicos e operacionais complexos que exigem consideração cuidadosa.
É justamente sobre esses desafios que vamos falar no artigo de hoje, baseado no conteúdo publicado por Ollie East, da Capgemini, multinacional francesa que oferece serviços de consultoria, tecnologia e terceirização.
A promessa do Retail Media
Para os varejistas, a atratividade do Retail Media é clara e convincente. Ao utilizar seus dados primários (first party), os varejistas podem oferecer às marcas algo inestimável: a capacidade de alcançar consumidores com publicidade altamente segmentada no momento da intenção de compra.
Essa proposta tornou-se ainda mais atraente em uma era em que a publicidade digital tradicional enfrenta crescentes questionamentos sobre privacidade e eficácia.
A proposta de valor vai além da eficiência publicitária. Os varejistas também se beneficiam de:
- Um fluxo de receita de alta margem que pode compensar as margens tradicionalmente baixas do varejo.
- Relacionamentos fortalecidos com parceiros de marca por meio de colaboração baseada em dados.
- A capacidade de oferecer medição do funil completo (closed-loop), acompanhando a jornada do cliente desde a exposição ao anúncio até a compra.
Para as marcas, o Retail Media representa uma oportunidade transformadora de engajar os consumidores com precisão e eficácia inéditas. Essa proposta de valor é multifacetada em algumas frentes:
- Capacidade avançada de segmentação: ao utilizar os dados first party dos varejistas, as marcas podem alcançar consumidores com base em comportamentos reais de compra, em vez de modelos probabilísticos. Por exemplo, uma marca de bens de consumo pode segmentar clientes que compram produtos concorrentes regularmente ou alcançar clientes fiéis quando estiverem próximos de uma nova compra.
- Relevância contextual: As Redes de Retail Media permitem que as marcas engajem os consumidores em momentos críticos da jornada de compra. Seja alcançando clientes que navegam por categorias específicas, respondendo a buscas ou visualizando produtos relacionados, as marcas podem entregar mensagens no momento de maior intenção de compra.
- Atribuição do funil completo: Diferente da publicidade digital tradicional, o Retail Media proporciona às marcas visibilidade clara sobre o impacto de seus investimentos. É possível acompanhar a jornada do cliente desde a exposição ao anúncio até a compra, entendendo exatamente quais campanhas impulsionam vendas e calculando com precisão o retorno sobre o investimento em anúncios (ROAS).
- Otimização dinâmica: A conexão direta entre publicidade e dados de vendas permite que as marcas otimizem campanhas em tempo real. Métricas como taxas de conversão, adição ao carrinho e vendas incrementais informam ajustes imediatos em segmentação, criativos e estratégias de lance.
- Inteligência do consumidor: Além do desempenho imediato das campanhas, o Retail Media oferece às marcas insights valiosos sobre o comportamento do consumidor. É possível entender padrões de compra, dinâmicas de categoria e a eficácia de diferentes estratégias promocionais – informações que orientam decisões mais amplas de marketing e desenvolvimento de produtos.
A realidade: desafios na implementação
O caminho para construir estratégias de Retail Media de forma bem sucedida é complexo e repleto de obstáculos. Vamos explorar os principais desafios enfrentados pelos varejistas, com exemplos do mundo real e suas implicações:
1. O paradoxo da privacidade
Os desafios relacionados à privacidade tornaram-se cada vez mais complexos e multifacetados:
- Gestão de consentimento: os varejistas devem rastrear e respeitar as preferências de privacidade dos clientes em múltiplos pontos de contato. Uma loja de materiais para construção descobriu que 30% de seus clientes de alto valor haviam optado por não compartilhar dados, impactando significativamente sua capacidade de entregar anúncios personalizados.
- Governança de dados: estabelecer protocolos claros de uso de dados entre varejistas e anunciantes é crucial. Uma rede de supermercados enfrentou uma reação negativa quando parceiros de marca receberam, inadvertidamente, acesso a dados de desempenho de concorrentes devido a políticas pouco claras de governança.
2. O desafio da saturação
A saturação do mercado apresenta diversos desafios estratégicos:
- Dificuldades de diferenciação: Com a Amazon capturando 77% dos investimentos em Retail Media nos Estados Unidos, varejistas menores precisam se esforçar mais para se destacar. Uma rede regional de farmácias americana conseguiu se diferenciar ao focar exclusivamente em marcas de saúde e bem-estar, criando um nicho valioso no mercado. No Brasil, o cenário é bem mais polarizado com muitos players atuando em Retail Media, por isso, adotar estratégias de diferenciação é fundamental para estar à frente da concorrência.
- Requisitos de escala: Muitos varejistas subestimam o tamanho da audiência necessário para gerar receitas publicitárias significativas. Um varejista especializado com 2 milhões de visitantes mensais descobriu que não conseguia atrair investimentos publicitários relevantes até atingir 5 milhões de visitantes.
- Expectativas de receita: O sucesso dos principais players criou expectativas irrealistas. Enquanto o negócio de publicidade da Amazon gera bilhões, um varejista de médio porte pode ver apenas uma contribuição de 1-2% em sua receita nos primeiros anos de sua atuação em Retail Media.
3. A experiência do cliente
Equilibrar a monetização com a experiência do usuário é talvez o desafio mais crucial e alguns pontos precisam ser observados, como:
- Gestão da carga de anúncios: Os varejistas precisam monitorar cuidadosamente a densidade de anúncios. Um varejista de eletrônicos observou uma queda de 12% nas taxas de conversão após aumentar os espaços patrocinados de 2 para 4 por página.
- Relevância x Receita: A pressão para maximizar a receita publicitária pode levar à exibição de anúncios menos relevantes. Um varejista de artigos esportivos descobriu que limitar os produtos patrocinados a correspondências altamente relevantes resultou em menor receita imediata, mas maior satisfação do cliente a longo prazo e mais compras recorrentes.
- Conflito de canais: Os varejistas devem gerenciar potenciais conflitos entre suas próprias atividades promocionais e o conteúdo patrocinado. Um varejista de beleza precisou desenvolver novos protocolos após promoções de marca competirem repetidamente com anúncios patrocinados dos mesmos produtos.
4. A estrutura organizacional
Um desafio frequentemente negligenciado é a estrutura interna das empresas para atuar com Retail Media, como:
- Dificuldade de encontrar talentos: Operar uma plataforma de Retail Media exige habilidades especializadas em adtech, ciência de dados e mídia digital. Uma loja de departamentos levou 18 meses para montar uma equipe com a combinação certa de expertise em varejo e mídia.
- Alinhamento entre as áreas envolvidas: o sucesso requer coordenação entre as equipes de merchandising, marketing, TI e vendas. Uma rede de supermercados criou um comitê diretor dedicado à Retail Media com representantes de cada departamento para garantir a tomada de decisões alinhada.
- Gestão da mudança: As equipes existentes precisam se adaptar a novas formas de trabalho. Um varejista de moda precisou redesenhar seus processos de gerenciamento de categorias para incorporar os posicionamentos de produtos patrocinados de forma eficaz.
Traçando um caminho a seguir
Apesar desses desafios, a oportunidade apresentada pelos Retail Media é grande demais para ser ignorada. O sucesso exige uma abordagem estratégica e cuidadosa:
- Priorize a governança de dados: implemente medidas fortes de privacidade de dados desde o início. Isso não é apenas sobre conformidade – é sobre construir confiança com consumidores e parceiros de marca.
- Foque na criação de valor: em vez de correr para igualar concorrentes recurso por recurso, concentre-se em identificar e entregar valor único para os anunciantes com base em sua base específica de clientes e capacidades.
- Pense a longo prazo: construa operações com escalabilidade em mente, mas não sacrifique a experiência do cliente por receita publicitária de curto prazo.
O Retail Media representa uma oportunidade significativa para os varejistas transformarem seu modelo de negócios e criarem novos valores para parceiros de marca. No entanto, o sucesso exige mais do que seguir um manual – demanda uma consideração cuidadosa das capacidades tecnológicas, implicações de privacidade e, mais importante, da experiência do cliente.
À medida que o cenário de Retail Media continua a evoluir, os vencedores serão aqueles que conseguirem equilibrar essas prioridades concorrentes, construindo operações sustentáveis e escaláveis que criem valor para todas as partes envolvidas.
Com um mercado tão promissor e ao mesmo tempo tão transformador, é importante se atentar às grandes mudanças. Você sabia que o Google não vai mais acabar com os cookies de terceiros que prometiam ser o grande incentivador do Retail Media? Mas como isso vai afetar o mercado? Confira no nosso artigo.